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Betty Coelho: artesã da palavra

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COUTINHO, Maria Antônia Ramos. O itinerário de Betty Coelho: histórias correm no corpo. EDUFBA, 2014

 

Andréa Betânia da Silva

UNEB (Université de l'État de Bahia)

CRILUS (Université Paris Ouest Nanterre La Défense)

 

Quem conta um conto, aumenta um ponto. Este é o mote dado para pensar sobre o traçado de tantas narrativas orais e o papel desempenhado por quem se atreve a tomar esta via como rota.  Neste contexto insere-se o livro de Maria Antônia Ramos Coutinho, professora e escritora, que tem se dedicado aos caminhos da literatura infantil e cuja tese de doutoramento deu origem à obra em questão, debruçando-se sobre a obra de Betty Coelho, também professora e escritora, mas, sobretudo, contadora de histórias.

 

As discussões que versam sobre oralidade e escrita tendem a apresentá-las a partir de uma abordagem dicotômica, buscando meios de mensurá-las e mantê-las sob o viés agonístico criado em torno destes conceitos, entretanto, a autora opta por outro caminho e se dispõe a apresentar a figura do contador de histórias letrado contemporâneo, a partir da trajetória de Betty, como aquele apto a transitar entre o mundo da vocalidade e o da escritura, buscando uni-los no que oferecem de mais sublime: o esteio para a narrativa. O que se vê, então, é o desenrolar da vida de uma contadora que transforma a arte de narrar numa espécie de escrita de si.

 

A linha teórica que sustenta o texto ancora-se em reflexões apresentadas por Paul Zumthor e sua opção pela vocalidade e pela performance, Nestor Garcia Canclini e seus apontamentos sobre culturas híbridas e heterogeneidade multitemporal, Walter Benjamim e as questões em torno da figura do narrador, dentre outros, mas é o conceito de biografema, cunhado por Roland Barthes e reatualizado por Eneida Maria de Souza, que serve de âncora para a abordagem que apresenta um caráter inegavelmente biográfico, compreendendo a obra literária da autora em questão como um construto que se dá sob a batuta da história de vida. É assim que, ao longo de quatro capítulos, o leitor é convidado a enveredar pelo entrecruzamento que se dá entre oralidade e escrita, tradição e modernidade. Neste sentido, o discurso que norteia a obra coloca voz e letra como complementares, tendo em vista que a imagem criada entre o narrar e o bordar conduz o leitor a experimentar a fruição de um texto que se dá como o traçado de um bordado, cujas linhas direcionam o olhar para que se compreenda o desenho da vida da contadora Betty Coelho com matizes que compõem um quadro maior: o do contador de histórias letrado na contemporaneidade.

 

O caráter mnemônico, imprescindível para quem se aventura por essas plagas, parece datado em Betty a partir do seu contato com sua avó materna, figura fundamental na construção de sua história de leitura desde a infância. Numa época em que as mulheres ocupavam posições quase que exclusivamente voltadas para os afazeres domésticos, com um naturalizado distanciamento de práticas leitoras, Dona Mocinha não apenas lia e escrevia, mas fazia do livro um elemento constituinte do seu cotidiano. A neta, a quem apresentava o mundo maravilhoso das narrativas, torna-se, então, contadora de histórias e constrói seu legado. Ao descobrir o encantamento que a narrativa oral pode despertar em quem a aprecia, Betty elegeu a voz como sua ferramenta de trabalho e, alinhavando textos que circulam tanto na oralidade quanto na escrita, construiu um repertorio e uma performance que indicam a estética da recepção como perspectiva possível de análise para compreender como os textos apresentados pela contadora são recebidos por seu público. O que os testemunhos parecem revelar é a escolha por uma espetacularização que foge aos ditames atuais, indo na contramão de contadores que recorrem aos recursos mais diversos, inclusive da teatralidade, para compor  sua cena enunciativa, tendo em vista que Betty opta pelo binômio voz e livro para delinear sua performance e é o desmembramento destes que dá a tônica do seu fazer literário, estreitando os laços entre a boca, os olhos e o ouvido.

 

Contribuindo para discussões que indicam os diálogos entre tradição e modernidade como fundamentais para pensar sobre a insurgência do oral em tempos ditados pela tônica do escrito, a obra de Coutinho apresenta uma bem-vinda reflexão sobre os realinhamentos a que a tradicional arte de contar histórias recorre para manter seu status quo, apresentando Betty Coelho como uma espécie de Penélope que, no seu tear, indica como a dinâmica da narrativa acompanha o traçado deixado pela agulha.