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Si tu vas à Rio

FLÉCHET, Anaïs. “Si tu vas à Rio...” – La musique populaire brésilienne en France au XXº siècle.  Armand Colin/Recherches, Paris, 2012

 

Pedro Rodolpho Jungers Abib

Universidade Federal da Bahia /

Université Paris Ouest Nanterre La Défense

 

 

As relações entre Brasil e França sempre foram muito além de uma relação “centro-periferia”, como algo que se poderia imaginar entre dois países tão distantes do ponto de vista do desenvolvimento econômico. O livro de Anais Fléchet, de uma forma muito minuciosa, proporciona uma compreensão mais ampliada sobre as trocas culturais entre os dois países, sobretudo no âmbito da música, que talvez seja a expressão artística que mais mobiliza interesse entre os franceses, no que diz respeito à cultura brasileira.

O livro “Si tu vas à Rio” traça um panorama amplo e profundo sobre a presença da música brasileira na França, desde o início do século XX, buscando analisar as várias nuances da influência que artistas brasileiros: compositores, instrumentistas e intérpretes, têm exercido sobre o universo musical e sócio-cultural francês ao longo desse período.

O fascínio pela cultura do “outro”, sempre foi uma característica marcante da sociedade francesa, mas o olhar para a música brasileira parece ir um pouco além, como mostra a autora, se constituindo como uma relação que extrapola o interesse pelo “exótico” ou pelo “folclórico”. Essa admiraçãoparece ser pautada por aspectos relacionados ao desejo de ser um pouco aquilo que se admira, o desejo de fazer parte de alguma forma desse universo onírico, onde o maxixe, o samba, o baião ou a bossa-nova, cuja síncopa – o tempo rítmico de desequilíbrio, característico da música de influência africana – exerce o poder de transportar o público para um outro lugar, vivo e pulsante, distante da vida cotidiana cinzenta de uma Paris dura e aborrecida.

A revelação de um novo mundo sonoro para a sociedade francesa se dá a partir dos primeiros anosdo século XX, com a grande novidade que surgia nos salões de baile de Paris: o maxixe. A chamada “la vogue de la maxixe”, foi um movimento musical importante desde o final da primeira década do novo século, em que os franceses experimentavam novas sensações estéticas e eróticas, ao permitirem seus corpos se moverem livremente, deixando-se levar pelo ritmo sensual, que fazia os salões de baile vibrarem ao som das orquestras que executavam esse ritmo brasileiro, mas que muitas vezes era confundido com o tango, com a habanera, com o tresilo, com a milonga e outros ritmos latino-americanos.

Na verdade, não havia uma clareza muito grande sobre a diferenciação desses novos ritmos que chegavam à Europa no início do século XX, fazendo com que a própria definição dos gêneros musicais executados pelas orquestras e posteriormente gravados em disco, fosse um tanto vaga e confusa. Mas de qualquer forma, o maxixe foi a grande sensação da Belle Époque, presente em todas as festas e grandes bailes e também numa enorme quantidade de gravações em disco e publicações de partituras musicais.

Ao final da Primeira Guerra Mundial nasce na França, conforme Flechét, uma verdadeira “négromanie” dando lugar uma gama de espetáculos de dança, teatro e música tendo como inspiração a cultura africana e suas influências. Artistas como Josephine Baker, Blaise Cendrars e Fernando Léger ocupavam a cena parisiense com sua arte. Nesse contexto, acontece a primeira turnê de um grupo musical brasileiro na França, no ano de 1922, quando o grupo “Os 8 Batutas” ou “Les Batutas”, como ficaram conhecidos em Paris, vêm para algumas apresentações na capital francesa e acabam ficando por seis meses, tamanho o sucesso que fizeram.

Composto por grandes expressões da música brasileira como Pixinguinha e Donga, o grupo “Les Batutas” desembarca na Europa cinco anos após a gravação de “Pelo telefone”, de autoria de Donga e Mauro de Almeida, que foi considerada como a primeira gravação de um samba no Brasil. Sucesso de público e de crítica, a presença do grupo brasileiro em Paris fez nascer um interesse muito grande por esse novo ritmo que surgia – o samba. Em pouco tempo, os primeiros discos de samba já eram comercializados na França, assim como as primeiras partituras começam a ser publicadas pelas editoras especializadas. As grandes orquestras incluíam esse novo gênero no seu repertório, e os primeiros “sambas” compostos por autores franceses começam a fazer sucesso no país. Era a nova onda que surgia: “la vague de la samba”.

O exotismo esteve presente durante boa parte do século XX, como talvez a principal fonte de interesse em relação aos ritmos brasileiros, conforme o livro de Flechét deixa claro, e embora o sucesso de público e crítica fossem incontestáveis, os estereótipos ligados aos gêneros musicais provenientes do “terceiro” mundo eram inevitáveis: o selvagem, as frutas e o calor do trópico, os corpos sensuais, entre outros, eram as referências frequentes nos cartazes de shows, capas de disco e letras dos sambas compostos em francês.

A passagem de alguns grandes nomes da cultura brasileira pela França, como o maestro Heitor Villa-Lobos, a partir da década de 1930, permitiu que a visão sobre a música feita no Brasil fosse sendo aos poucos modificada, adquirindo um respeito maior em virtude da qualidade da música erudita produzida por esse grande compositor.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, os novos ares que sopram sobre a França dão lugar a uma nova abertura à cultura que vem dos trópicos - América Latina e Caribe, principalmente. Com o desenvolvimento da indústria cultural no que diz respeito à produção e distribuição de discos e também a partir das influências do cinema, uma nova onda de ritmos latinos se faz presente no país. Destaca-se novamente o samba, onde a figura de Carmen Miranda desempenha papel central, principalmente após o sucesso nos filmes de Hollywood e também a partir da passagem por Paris de outros compositores como Dorival Caymmi e Nestor Campos. Nesse período destacam-se ainda Luiz Gonzaga e Vanja Orico que são os pioneiros de um novo gênero musical brasileiro que começa a encantar os franceses: o baião, principalmente pela utilização do acordeon, um instrumento que sempre fez parte da historia cultural da França.

 

No final da década de 1950, através de um novo ritmo que surgia no Brasil, sobretudo com grande aceitação pelas classes médias, a bossa-nova chega na França modificando sensivelmente a visão dos franceses sobre a música brasileira, que apesar do grande sucesso que sempre fez, ainda não conseguia se distanciar do exotismo e primitivismo com os quais sempre foi vista por grande parte do público francês.

Alguns nomes foram importantes para a difusão de um novo sentido para música brasileira na França, sobretudo pelo fato de se dar uma importância maior às letras das canções. O músico francês Pierre Barouh foi o elo de ligação entre a nova safra da música brasileira que chegava à Paris - através de Tom Jobim, Vinícius de Morais, João Gilberto e Baden Powel -e o público francês, que começava a perceber a profundidade da poesia veiculada pela música brasileira.

Até então, era muito comum os compositores franceses fazerem “versões” de músicas brasileiras para o francês, sem nenhuma preocupação com o contéudo e sentido poéticos das mesmas, se distanciando muito das versões originais, com referência ainda àquela visão estereotipada da musica que vem dos “trópicos”. A própria música “Si tu vas à Rio”que dá título ao livro de Fléchet, é o exemplo mais gritante. Gravada por Dario Moreno - um cantor de origem turca, mas que fez muito sucesso na França interpretando canções latinas, essa canção é uma versão de um clássico do samba brasileiro “Madureira Chorou” de Carvalhinho e Julio Monteiro, que nada se assemelha à versão folclorizada que fez enorme sucesso na França.

Pierre Barouh ao contrário, se encantou pela música brasileira e a partir das relações de amizade que construiu com boa parte dos grandes compositores brasileiros da década de 1960, traduziualgumas canções desses compositores para o francês, buscando uma fidelidade em relação ao seu sentido poético, coisa que até então não tinha sido a preocupação de outros compositores franceses menos sensíveis à riqueza poética da música brasileira. Um dos maiores sucessos das traduções de Barouh, foi sem dúvida a canção “Samba Saravah”, versão francesa do “Samba da Benção”, de autoria de Vinícius de Morais e Baden Powel, que ficou famosa depois de sua utilização no filme “Um homem, uma mulher” (1966) de Claude Lelouch, ganhador da Palma de Ouro em Cannes e do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Um outro filme que contribuiu bastante para a divulgação da música brasileira na França, foi sem dúvida nenhuma o filme “Orfeu Negro”(1959), uma produção franco-brasileira dirigida por Marcel Camus, baseado na peça “Orfeu do Carnaval” de Vinícius de Morais, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes. A trilha sonora desse filme, com composições de Vinícius de Morais e Tom Jobim, fez um grande sucesso entre o público francês, conforme enfatiza o livro de Fléchet.

Durante o período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985),alguns compositores, intérpretes e instrumentistas brasileiros chegaram a residir na França em virtude da perseguição política que sofriam, e durante os anos posteriores muitos outros sempre realizaram turnês por esse país, estreitando ainda mais a relação do público francês com a música brasileira, que passa a conhecer mais profundamente, a respeitar e a admirar o trabalho de artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Ben, Elis Regina, Martinho da Vila entre outros nomes não menos importantes.

 

Como afirma Anaïs Fléchet no seu livro, o processo de transferências culturais entre Brasil e França não foi jamais um processo linear, alternando-se períodos de grande sucesso como as “vagues” do maxixe, do samba, do baião e da bossa nova e períodos de pouca visibilidade e indiferença em relação à esses ritmos. E além disso, a difusão da música brasileira na França contesta a idéia da imposição cultural da Europa sobre a América-Latina, pois a reciprocidade dessas trocas entre os dois lados do Atlãntico, foi o que sempre ficou mais evidente, pelo menos no caso de Brasil e França.

A difusão da música brasileira na França contribuiu para a inversão da imagem de uma “sociedade francesa aprisionadanuma moral vitoriana” como afirma a autora, pois constitui-se como um espaço de liberdade, permitindo ao público que canta e dança, um encontro com o universo vivo e envolvente da música feita no Brasil, projetando seus fantasmas para o interior de uma utopia sensual e tropical. Esse processo não ocorre sem contradições, pois os estereótipos sobre essa “alegria”, “euforia” e “erotismo”, não deixaram de fazer parte, de certa forma, da visão de boa parte do público francês sobre aquilo que vem do outro lado do Atlântico, mesmo nos dias atuais, sobretudo no que diz respeito à música.

Porém, o livro de Anaïs Fléchet procura analisar criticamente esse processo, dando pistas importantes para uma compreensão mais aprofundada sobre as relações entre Brasil e França, que parecem ainda se pautar por uma misteriosa atração, onde o fascínio e admiração mútuas, conduzem a uma via de mão dupla ainda a ser melhor compreendida do ponto de vista sócio-cultural.