Salazar, uma biografia política

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Helena da Silva

Université du Havre

Couverture du livre "Salazar" Meneses, Filipe Ribeiro de, Salazar, uma biografia política, Lisboa : D. Quixote, 2010, 803p. ISBN: 9789722040051.

 

Realizar um estudo aprofundado e de qualidade académica sobre Salazar não é tarefa fácil, visto ser um tema sensível. Por outro lado, este teve uma longa atividade política e marcou profundamente uma boa parte do mundo lusófono. Como consequência, a quantidade de documentação referente a Salazar é "avassaladora" (p.14), mas Meneses conseguiu ultrapassar as dificuldades existentes, ainda mais consideráveis se tivermos em conta que este vive e trabalha fora de Portugal, onde se encontram os principais arquivos que explorou.

Para tentar compreender como "funcionava a mente de Salazar" (p.11), o historiador recorreu a várias fontes originais, nomeadamente ao Arquivo Oliveira Salazar, que inclui além dos seus diários, a correspondência particular, bem como a diplomática e oficial. A censura e o controlo da informação não facilitaram esta tarefa, sendo por vezes difícil, segundo Meneses, conhecer o verdadeiro pensamento de Salazar. A escolha da utilização de determinadas fontes numa pesquisa histórica é frequentemente motivo de críticas, e este livro não é exceção. Contudo, tendo em conta a variedade e a quantidade de fontes originais relativas a Salazar, Meneses optou por determinados documentos e deixa em aberto a utilização futura de outros, que poderão revelar novas perspetivas da vida de Salazar.

Como o livro foi "pensado e escrito para um público de língua inglesa" (p.19), este pode ser facilmente lido por um público não especialista na História de Portugal, porque descreve de forma clara e concisa acontecimentos e personalidades essenciais para que o leitor possa acompanhar a narração. Assim, apesar de ser um trabalho académico, não é reservado a um público erudito e poderia aliás ser traduzido noutras línguas, como por exemplo em francês. Já as variadas citações retiradas de cartas ou de jornais dão ao texto um maior interesse, dando voz e vida aos protagonistas e despertando a curiosidade do leitor para o desenrolar dos acontecimentos.

Em 13 capítulos, o leitor segue os 81 anos de vida de Salazar desde as suas origens, ficando a conhecer várias características desconhecidas e ignoradas mas fundamentais para compreender a posição que Salazar ocuparia na vida adulta. O historiador descreve como o jovem tímido, amante dos animais e devoto à sua mãe, era bastante estudioso e um excelente aluno, o que lhe permitiu ir para a Universidade de Coimbra, onde teve uma fulgurante carreira académica. Aliás, para Meneses, a trajetória de Salazar do meio académico para a vida política é original, em relação a outros ditadores da mesma época, e relata a hesitação, o "medo" de fracassar como Ministro das Finanças ("Que pensariam de mim os meus alunos, na Universidade?", p.67) e a ideia constante de "sacrifício patriótico" (p.103).

Meneses desmistifica a ideia de Salazar como salvador das finanças do Estado português, explicando como esta imagem foi criada pela propaganda mas que acabou por perdurar. Nos dias de hoje e face à difícil situação económica de Portugal, muitos são os portugueses que evocam este "milagre" de Salazar, demonstrando um desconhecimento da realidade histórica.

Uma questão inevitável quando se fala de Salazar é saber se era ou não fascista. Para muitos investigadores foi um dado adquirido: ele era fascista. Contudo, a questão é bem mais controversa e Filipe Ribeiro de Meneses aborda-a de forma complexa, justificando porque é que Salazar não deve ser considerado como fascista. Uma das razões evocadas é a inexistência do culto de personalidade visto Salazar ser tímido, "mau orador" (p.197), evitar as aparições públicas e o contacto com o povo.

Ao contrário de muitos outros estudos históricos e, uma vez mais, porque Meneses tem um olhar exterior, este livro retrata a evolução de Salazar e do Estado Novo não de forma isolada e não analisando apenas a política interna de Portugal, mas tendo em conta o contexto económico e político conturbado na Europa e no Mundo. Já os trabalhos de investigação anteriormente realizados por Meneses permitiram-lhe dar a conhecer de forma pormenorizada as relações entre Franco e Salazar e como estas foram evoluindo.

As estratégias políticas complexas de Salazar durante a Segunda Guerra Mundial são também esmiuçadas neste livro. O leitor apercebe-se como Salazar conseguiu ser um exímio diplomata, tendo mantido Portugal fora dos combates, negociando ora com o Eixo, ora com os Aliados, fazendo crer a cada uma das partes que estava do seu lado. Assim, ideias pré-concebidas sobre a simpatia por Hitler e pelos nazis são abordadas mas outras questões ficam ainda em aberto, nomeadamente o que Salazar sabia e pensava do Holocausto.

Já no Pós-Guerra, Salazar permaneceu inerte face à pobreza e à crescente emigração, o que contribuiu para a frustração dos seus apoiantes e para o aumento das ações da oposição, que são também descritas ao longo do livro. Como já foi mencionado por outros historiadores, o apoio da Igreja Católica ao regime estava a diminuir, embora Salazar tentasse transmitir uma outra imagem.

Meneses analisa ainda a questão colonial e a posição de Salazar, que não procurou outras soluções porque acreditava que Portugal tinha de "proteger as suas colónias e preparar-se para a sua defesa" (p.481). O historiador salienta a passividade de Salazar que recebia e lia uma quantidade enorme de documentos sobre o conflito colonial, mas que poucas decisões militares tomou, o que teve consequência diretas na guerra.

Apesar do assunto central não ser a vida sentimental de Salazar, este tema é igualmente abordado, como já o tinha sido noutras publicações. Meneses descreve ainda os últimos anos de vida de Salazar, a sua sucessão e o secretismo que se foi mantendo. Aliás, esta situação é desconhecida de muitos portugueses e o historiador adianta que "Salazar deu mostras de perceber o que tinha sucedido" (p.637).

Nas suas conclusões, Meneses explica o que contribuiu para que Salazar, que não era um líder carismático, se mantivesse tanto tempo no poder. Mais do que uma biografia, esta é uma obra basilar sobre o homem que dirigiu Portugal durante décadas, como este via o mundo e também como era visto fora do país. A utilização de fontes originais, como a imprensa estrangeira, dotou esta obra de um olhar diferente, aprofundado pelo facto do historiador português viver e trabalhar fora de Portugal. Esperemos que este trabalho abra o debate histórico sobre Salazar e o Estado Novo, e que seja seguido por outras investigações de igual qualidade, visto ser um tema ainda com muitas questões por explorar.