Qui est en ligne ?

Nous avons 1 invité en ligne

Suivez-nous sur

Bannière
Bannière

Identifiez-vous

Liens:

Bannière
Bannière
Bannière
Bannière

Ce que mon coeur sait de la semence / O que meu coração sabe da semente.

Attention, ouverture dans une nouvelle fenêtre. Imprimer

Bernardette Capelo, Ce que mon coeur sait de la semence / O que meu coração sabe da semente. Paris: Éditions Convivium Lusophone, 2013.

 

Lina Tâmega Peixoto

Professora, poeta, crítica literária

 

A obra de Bernardette Capelo é composta de sessenta e um haicais, sem títulos, que não se prendem a rígidas regras de estrofes de dezessete sílabas, sem rima, em três versos encadeados em 5,7 e 5 sílabas. Modernamente, este gênero poético tem se libertado destas amarras, sem prejuízo da qualidade da poesia. Assim, se comportam os haicais da Autora, onde os encadeamentos rítmicos dos versos revelam, qualitativamente, um tecido lírico que se move em significados de tensão, formando uma combinação harmoniosa de rastro estelar.

 

Poeta portuguesa, radicada em Lisboa, a Autora nos informa, em “Terceiro espaço,” que os haicais se ergueram das palavras pela língua francesa e que só, posteriormente, foram reescritos em português, exercício que se impôs à imaginação criadora pela força da origem primeira e interna de seu pensar e sentir. Em nenhum momento, a poeta refere-se à tarefa de traduzir, pois não houve a composição de dois espaços poéticos, mas apenas as mesmas imagens, refletidas em outro espelho.

 

No primeiro haicai (numerados de 1 a 61) já se prenuncia o processo criativo de Bernardette Capelo.  Transcreve-se:

 

“O  ritual do jasmim: / revelação de um secreto / perfume do silêncio.”(nº1)

 

Na leitura do poema, percebe-se a linha que vai interligar as diversas significações que representam o estado anímico da poeta. E relacionamos “perfume” a  “jasmim”, ambos subordinados a “silêncio”. Uma imagem de expressão transfiguradora, ,autorreflexiva,  se estabelece pelo desvio sintagmático ao atribuir a “silêncio” uma qualidade, ”perfume”, que se identifica, naturalmente, a “jasmim” O fluir das sensações, esta metamorfose de conteúdo amoroso, percorre o universo poético da Autora até o momento não desvelado, secreto, em que a pluralidade encontra, em delicados movimentos,  sua unidade interior.

 

Vejamos como isto se manifesta  na visão de outros haicais que se prendem a esta mesma configuração de transcendência:

 

“ A chave secreta / conhece todas as portas: / prodígio da semente.” (nº6);


“O silêncio semeado / de signos – fulgura /a luz do a vir.” (nº12) ;


“Meu jasmim exala / o que meu coração sabe / da semente.” (nº19)

 

Os deslocamentos das imagens, como por exemplo: “meu jasmim”, “silêncio”, “semente”, tomadas como núcleos formadores e fundamentais da  memória poética, repetidas em luminosidade e em claro-escuro, estabelecem, nesta obra admirável, as infinitas possibilidades  na apreensão do espírito da Autora pela elaboração técnica, consciente e emocional de seu Eu interior que conduz à estruturação do aspecto formal dos poemas. O pronome possessivo “meu” em jasmim, enfatiza a imagem de si mesma, de certo modo,  ainda sem contorno definido.

 

Atente-se para “perfume do silêncio” (nº1) e “Meu jasmim exala” (nº19). O que se desprende dos nomes é percebido pelo olfato, considerado, desde os tempos remotos, como o mais nobre dos sentidos.  A santidade, o intuitivo conhecimento da revelação do outro   marcam sua presença, no mundo visível, pelo perfume. Antes de se dar aos olhos, o objeto é pressentido e impregnado pelo que evoca de mistério e de estonteantes  e perturbadoras sensações. Relevante a construção de um espaço mágico que a poeta propõe em “O ritual do jasmim”, onde busca  vivenciar, neste rito de iniciação, a experiência mística dos instantes e, por consequência, participar da liturgia secreta do “silêncio.”

 

E acompanhamos o encadeamento das metáforas existenciais como: “meu jasmim”(persona poética) que provoca o aparecimento do “perfume do silêncio” (o tecido do Absoluto) capaz de abrir “todas as portas”  ( processos intuitivos dos espaços míticos), pela “semente” (construção do imaginário), que, semeada, germina os “signos” (conteúdos simbólicos). O coração, este lado afetivo de plenitude no relacionamento com a vida onírica, sabe do silêncio primordial  que se encontra dentro da semente à espera do vir a ser. Deste modo, se desenvolve a experiência sensória e intelectual da poeta ,em distintas imagens que, ao estabelecerem um elo, um encadeamento metafórico, são  capazes de  trazer a realidade interior para o plano estético. E chegamos, na última leitura, à compreensão de que o silêncio é a semente que guarda as constelações do existir de Bernardette, como poeta.

 

Penso que a interpretação destes haicais belíssimos permite vislumbrar a maneira harmoniosa e o conhecimento estilístico que abrangem todos os haicais da Autora, assim como  a intensidade lírica da linguagem que os estruturam e os descerram a cada leitura que fazemos de seus significados .Esses  poemas referem-se, de modo amplo, a vozes e circunstâncias que se opõem, na perspectiva e circunstância de ruído e silêncio, efêmero e eterno, velado e revelado. Como exemplo, citamos o haicai (nº24 ): “O sol vermelho mergulha / na linha do horizonte - / revela-se o seu mundo oculto” Ao se extinguir, o sol ressurge na completude de sua força, de  sua intensidade, na exuberância do  paradoxo. Na compreensão de que o brilho (“vermelho”) se associa à escuridão (“mundo oculto”) ele reencontra, nesta dualidade, a perfeita unidade do dinamismo que o imobiliza para sempre, como objeto poético.

 

Cabe neste espaço final deixar algumas linhas vazias para nelas caber  um texto do poeta e pesquisador francês, Michel Collot, citado pela professora Márcia Helena Saldanha Barbosa no ensaio que redigiu  sobre a poesia de Sophia de M B Andersen.  Diz ele:  “A linguagem não tem o poder de dizer tudo. O poema ao final de seu percurso reencontra sua origem silenciosa: seu horizonte último é o silêncio.”

 

Brasília, julho de 2015